"Achei que estava tendo um infarto, mas era ansiedade generalizada"
Resumo da notícia
- O transtorno de ansiedade generalizada é um estado emocional crônico e intenso, que dura seis meses ou mais
- Pode ter causa genética, experiências difíceis da infância, traumas psíquicos, adversidades e acúmulo de tarefas
- O TAG alterna períodos de melhora e piora, de acordo com a fase que a pessoa está vivendo
- O tratamento inclui medicamentos, psicoterapia e mudança no estilo de vida
Juliana Talala, 36, pensou que estava tendo um infarto. Começou a sentir uma forte dor no peito, o braço esquerdo formigando e bastante falta de ar, como se estivesse sendo sufocada. Ela, que sempre gostou de morar sozinha, naquele domingo à noite teve medo. A pandemia do novo coronavírus tinha começado dois meses antes e as ruas da capital paulista estavam vazias. Longe da família, que mora em Uberaba, interior de Minas Gerais, a redatora mediu a pressão arterial e se assustou, de tão alta que estava. Até lhe passou pela cabeça chamar o Samu, mas em vez disso decidiu tomar um analgésico e se deitar. Continuou ofegante até adormecer.
No dia seguinte, procurou um médico, desconfiada de que estava com um problema sério no coração. Uma clínica geral a atendeu e pediu uma pilha de exames, que não acusaram nenhuma doença física. Encaminhada para uma especialista, finalmente recebeu o diagnóstico: transtorno de ansiedade generalizada. Naquele momento, muitas pessoas ao redor do mundo sofriam com a mudança brusca da rotina. Com Talala não era diferente. Ela estava trabalhando em home office, só saía de casa para ir à farmácia ou supermercado e tinha contato com a família e os amigos somente pelas redes sociais.
Conseguiu levar essa situação por um tempo, mas quando viu que aquele estilo de vida poderia se arrastar indefinidamente e que a vacina não chegaria tão cedo, a preocupação tomou conta dela. Talala temia pela família e por ela mesma. "Eu entrava para as reuniões online da empresa e queria sair logo. Ninguém me entendia e eu tinha que começar tudo de novo. Quando via, já estava chorando com todo mundo ali", lembra. Incomodada por sequer conseguir separar a vida profissional da pessoal, começou a ter insônia. Mas só prestou atenção aos sinais do corpo ao pensar que ia morrer.
Pessoas que têm o TAG (transtorno de ansiedade generalizada) só costumam buscar ajuda quando o sofrimento afeta demais o dia a dia. Elas vivem em um estado de preocupação e ansiedade acima do normal, que na maior parte do tempo não as deixa em paz. As crises não se instalam apenas em momentos desafiadores, como ter um problema de saúde na família, perder o emprego ou acumular contas para pagar. Podem acontecer em qualquer hora ou lugar, independentemente da situação ou da atividade desempenhada. Até mesmo em eventos positivos como formatura, casamento, nascimento de um filho ou uma promoção no trabalho.
O TAG é bem diferente da reação que todos nós temos quando nos sentimos impotentes e indefesos diante de um perigo ou incerteza. Isso porque ela não passa assim que a situação se resolve. "A ansiedade funciona como um alarme de proteção de um automóvel. E o transtorno seria quando o alarme apresenta defeitos e dispara sem que alguém esteja tentando roubar o carro", explica Cloves Amorim, professor de psicologia da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Também é normal ficarmos ansiosos diante de alguma coisa importante que está para acontecer ou de algo que queremos muito. Mas nada disso não nos causa sofrimento a ponto de adoecermos.
Uma forma de diferenciar uma reação ansiosa normal do TAG é a duração. A ansiedade generalizada é crônica, ou seja, recebe esse diagnóstico a pessoa que conviveu com ela durante, no mínimo, seis meses. No transtorno precisam estar presentes pelo menos três desses sintomas: inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele, fadiga ou cansaço excessivo, dificuldade de concentração ou esquecimento repentino (o famoso "branco"), irritabilidade, tensão muscular, alterações do sono e do apetite. No início, o mal-estar pode ser leve, quase imperceptível. Mas, se nada for feito, com o tempo ele tende a ir se agravando.
A influência do estilo de vida
Pelo menos 18,6 milhões de brasileiros —cerca de 9% da população —sofrem com algum transtorno de ansiedade, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Além do fator genético, a superproteção dos pais, as adversidades na infância, a inibição, a afetividade negativa e o comportamento de evitar danos podem levar à ansiedade generalizada. Pessoas naturalmente mais ansiosas, preocupadas, sobrecarregadas e que vivem sob pressão também são mais propensas a ter o transtorno. O gatilho pode ser um excesso de tarefas e responsabilidades, mais do que a pessoa dá conta, ou problemas que ela não se sente preparada para resolver. O TAG ainda pode ter origem em uma experiência traumática.
No caso das crianças, o transtorno pode se manifestar quando elas são cobradas a ter resultados excelentes em tudo o que fazem, como tirar a nota máxima nas provas da escola. Algumas até passam mal nessas horas. Já os adultos costumam desenvolver esse quadro pela preocupação exagerada com o trabalho e a família. Em ambos os casos, ele não vai embora facilmente. "Geralmente, os estados de ansiedade generalizada acontecem em momentos da vida. Tem indivíduos que flutuam dentro desses estados por meses. Às vezes, até anos", afirma Luciana Siqueira, psiquiatra do Programa de Ansiedade do IPq HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Há períodos de melhora, mas quando menos se espera vem uma nova crise e, junto com ela, uma preocupação intensa, sensação de angústia e desconforto, como se houvesse uma "bola" na garganta atrapalhando a respiração. Quem tem ansiedade generalizada sofre por antecipação, antes mesmo de saber se aquilo vai dar errado. "Uma das características é ficar ruminando tudo o que acontece. Na hora de dormir, a pessoa tenta relaxar e não consegue. Repassa problemas diários, o que ocorreu, o que deu certo e o que não deu e, às vezes, fica projetando também dificuldades futuras", diz Siqueira.
Ter um compromisso agendado para a manhã seguinte já é motivo para a pessoa perder o sono, porque acha que vai perder a hora. E não é só isso. Ela pode ter tremores, dor e tensão muscular, dor de cabeça e de estômago, sudorese, náuseas, sobressaltos, palpitação, cansaço, falta de energia, mudança no padrão alimentar —passa a ingerir mais cafeína, carboidratos e doces para se sentir melhor e mais acordada — e até desenvolver hipertensão arterial. Também é comum o abuso de álcool, cigarro, medicamentos calmantes e ansiolíticos, como os benzodiazepínicos.
O impacto emocional do TAG é grande. Ele causa tristeza, desânimo, nervosismo, pensamentos vagos e catastróficos, preocupações relacionadas ao fracasso nos relacionamentos, medo de não dar conta dos compromissos e de perder o que se tem, intolerância a incertezas, fuga de situações ambíguas, sensação de incapacidade em diferentes áreas da vida e sintomas depressivos. A ansiedade generalizada faz com que a pessoa viva preocupada e vigilante, sem descansar nunca. E a enxergar os problemas muito maiores do que eles são.
O tempo não cura sozinho
Há pessoas que não dão muita importância para o transtorno por acreditarem que ele não é grave. "Em geral, os portadores de TAG não procuram ajuda. Tendem a crer que ser ansioso faz parte da sua personalidade. Somente quando apresentam outros problemas, como sintomas físicos que interferem em seu funcionamento geral, é que buscam ajuda", frisa Amorim. Isso é um erro, pois esses sintomas podem sinalizar depressão, síndrome de pânico e transtorno bipolar, além do agravamento de doenças físicas já instaladas como hipertensão arterial, diabetes e obesidade.
Quando a pessoa opta pelo tratamento precoce, ela se poupa de um sofrimento desnecessário. Até porque alguns casos são fáceis de se tratar. Talala é um exemplo. Após a consulta médica, a redatora passou a tomar medicamentos para dormir e para reduzir a ansiedade, foi orientada a mudar o estilo de vida e cortar alimentos que causam o problema, como os que contêm cafeína, sódio e açúcar, como chocolate, refrigerantes e embutidos. "Fui desacelerando, fazendo meditação todos os dias e escutando músicas tranquilas para dormir. Isso foi me acalmando de verdade. Também fiquei um tempão sem acompanhar notícias que me faziam mal e comecei ver as que eu gostava, como de cultura e de música", conta.
Hoje ela não precisa mais tomar medicamentos para dormir. Mantém apenas o fitoterápico para controlar a ansiedade do dia a dia. "Estou vivendo uma situação completamente diferente. Criei um lugar tranquilo para mim mesma, com esperança e possibilidades". Em casos mais graves que o dela, além do calmante pode ser necessário o uso de um medicamento antidepressivo e sessões de psicoterapia, principalmente a abordagem cognitivo-comportamental, que ajuda a reduzir ou resolver a ansiedade e outros problemas psíquicos, como o estresse.
Mas nada vai funcionar se a pessoa não estiver disposta a mudar o estilo de vida. É importante incluir atividades físicas na rotina, melhorar a higiene do sono, reduzir o consumo de estimulantes como bebidas energéticas, ter uma alimentação saudável e reservar tempo para o lazer. Manter o estresse longe é outra dica valiosa. Para isso, os especialistas recomendam adotar técnicas de relaxamento, exercícios de respiração, meditação, ioga, acupuntura e outras práticas integrativas em saúde. Não deixar as tarefas para a última hora e resolver os conflitos interpessoais também ajuda nesse processo.
Como em tudo na vida, a prevenção também é importante para a ansiedade generalizada. Ela é feita com relações saudáveis, positivas e amorosas com familiares e amigos, com atividades prazerosas e escolhas positivas. Algo que deve ser construído desde a infância. "Também é preciso haver práticas escolares mais democráticas e tolerantes, estimulando o respeito mútuo, a resiliência e a convivência saudável com a diversidade", acrescenta Amorim. Tudo isso serve como um escudo para as intempéries da vida.
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